Eu sei, eu sei, estou bem atrasado em meus comentários sobres os filmes que estou vendo, mas vou tentar o tirar o atraso esses dias falando rapidamente de alguns dos filmes que vi nos últimos meses e não podem deixar de ser registrados. Ok?
Então vamos do mais recente para trás...
Pablo Trapero é com certeza um dos maiores talentos do cinema Argetino. Antes de “Abutres” vi “Leonera” e pondo um ao lado do outro fica fácil perceber que Trapero é um diretor de assinatura. Seus filmes possuem planos bem desenhado, ângulos e enquadramentos não usuais como os utilizados para filmar os acidente e as sequências de socorro em “Abutres”. São também profundos em seus mergulhos silenciosos por dentro dos personagens, sobretudo sobre o principal, a Argentina, decadente em seus sistemas de saúde (“Abutres”) e carcerário (“Leonera”).
Em “Abutres”, o modo como a relação entre os dois protagonistas é filmada sugere um encontro selvagem que fica aprisionado no medo e estranhamento do outro e vai explodindo aos poucos até chegar ao ápice da obsessão nas cenas finais do filme. A forma como o mundo caótico do advogado fracassado e corrupto, vivido por Ricardo Dárin, vai se encontrando com o ambiente “sem vida” que a paramédica, feita por Martina Gusman, habita, é ao mesmo tempo deprimente e poético. Um encontro suburbano de duas pessoas sem perspectiva que enxergam um no outro a sua própria desgraça e acreditam na relação como uma forma irreverente de dar sentido a vida. Dárin é o grande ator expoente do cinema argentino e tem uma boa performance neste filme, mas é colocado em segundo plano quando está em cena com Martina Gusman, que consegue passar toda a frieza, insegurança e tendência suicida de sua personagem em cada cena que aparece. Ela é muito boa, sabia disso desde “Leonera” que ela protagoniza e agora tive a confirmação. O fato dela ser esposa do diretor e fazer todos os seus filmes é só um detalhe, ela é mesmo competente.
O roteiro do filme também é muito bom, a tensão vai crescendo quando você percebe que não é a paramédica que catequiza o advogado para o seu mundo e sim o contrário, que ele desperta nela a percepção de que um comportamento marginalizado pode ser uma alternativa viável para sua vida. A violência não é economizada, nem nas cenas de acidentes nem durante os atendimentos médicos, mostrando que o lado mais cru e animal das pessoas é o centro da narrativa. As cenas dos acidentes de carro são muito bem feitas e algumas nos assustam de verdade, sobretudo a última delas que eu prefiro não comentar muito por aqui.
O fato é que não acho “Abutres” inesquecível, não mesmo. Na verdade, passei a gostar mais deles hoje, uns dois dias depois que saí do cinema. Mas não de pode negar que é um cinema feito com um alto grau de qualidade.
For your information: ao pé da letra, o título original "Carancho"deveria ser traduzido no Brasil como Carcára (aquele da música que pega, mata e come) e não como abutres.
Filmes de Clint Eastwood como “Menina de ouro”, “Cartas de Iwo Jima”, “Gran Torino” e “Invictus” estiveram entre as melhores produções da última década, não apenas em termos técnicos, mas também de conteúdo. Em “Além da vida”, a qualidade permanece mas desta vez ela recebe algumas intervenções que agregam valor...e outras que nem tanto.
Sob a produção executiva de Spielberg, o filme de Clint Eastwood ganhou efeitos especiais que são fundamentais na cena de abertura que retrata a tsunami ocorrida na Ásia há alguns anos. Os mesmo efeitos tornam o filme meio piegas quando mostram a conexão com o “além” através de vultos distorcidos em um fundo branco, bem parecido com um filme ridículo do alguns anos atrás chamado “Os esquecidos” (ridículo, apesar de ter minha musa Juliane Moore). É interessante observar como o desastre natural é mostrado em toda a sua grandeza mas sem aquele estilo de filme catástrofe e respeitando a proposta do filme que é discutir outro assuntos que não o impacto da tal onda gigante. Na busca de sensacionalismo, esta cena poderia ser um grande chamariz para o público comercial mas isso é evitado de forma inteligente, o desastre é mostrado apenas por sua função na história.
O formato de estorinhas paralelas que se cruzam no final é novo também para Clint Eastwood e com isto ele se dá bem. São três ações diferentes: Em Paris, uma famosa jornalista convive com os efeitos de ter ficado horas em coma após ser vítima de uma tsunami na Ásia; em Londres, um garoto busca videntes para estabelecer contato com seu irmão gêmeo morto em um atropelamento; e em São Francisco, um jovem vidente luta contra seu dom que mais lhe traz problemas que o ajuda, apesar do seu irmão insistir que ele use isso para fazer dinheiro. Cada um destes personagens percorre sua via-crucis pessoal e vivem o seu “hereafter” (nome original do filme, bem mais esclarecedor da proposta que o título brasileiro), até que se encontram para um grand finale.
O aspecto mais interessante do filme é que, apesar de utilizar o contato com a vida após a morte como centro de todas as histórias, o roteiro está mais interessado em discorrer sobre como os personagens lidam com “o depois” do contato com a morte e menos em fazer qualquer discussão religiosa sobre o tema. Assim, “Além da vida” consegue falar de preconceitos, de interesses egoístas, de solidão, de problemas familiares e de uma forma geral, sobre como a consciência e proximidade com a morte dá um sentido diferente à vida.
O elenco é muito bom. Matt Damon tem se tornado um ator cada vez mais sério, mais maduro, e faz um excelente trabalho como vidente. Cécile de France além de ser uma presença iluminada em tela pela sua beleza, faz um ótimo trabalho como a jornalista vítima da tsunami. Mas os gêmeos George e Frankie MacLaren são o melhor do filme, sobretudo no início do filme quando é delicioso ver as cenas de cumplicidade dos personagens para conviver com a mãe irresponsável. Um elenco de bons coadjuvantes incrementa as ações e destes vale citar também Brice Dallas Howard que participa de duas das melhores cenas do filme: o teste-cego de sabores na aula de culinária (sensualíssimo) e a revelação sobre o passado de sua personagem em uma sessão de vidência.
A verdade é que entre essa tsunami de filmes ruins que estão por aí, “Além da vida” não é um banho de cinema, mas consegue ser um alívio refrescante.
Qual sua expectativa quando sai de casa para ir ao cinema ver o filme de um diretor desconhecido de um país cuja cinematorgrafia você conhece menos ainda? Bom, você pode se sentir desinformado e desatualizado porque muita gente vem falando bem desse filme e desse diretor, mas apesar deste sentimento ridículo, o que predomina a expectativa de algo novo e inusitado. E foi mais ou menos tudo isso que eu senti quando saí de casa para ver o concerto do romeno Radu Mihaileanu. E qual o resultado? Um frustrante mais do mesmo. O tradicional formato de cinema bobo embalado como cult e inteligente que se vende em todos os cantos do mundo. Muito parecido como vários filmes que povoaram as telas como o inglês “Ou tudo ou nada”, o argentino “Elsa e Fred” ou o americano “As confissões de Schimidt”, este fala de um grupo de personagens old school que foram massacrados pela dinâmica dos novos tempos, tiveram seus sonhos destruídos e em algum momento possuem a chance mágica de ver uma sonho antigo ser realizado ou uma paixão esquecida ser recuperada e com isso viverem um momento de epifania.
Em “O concerto”, os personagens são os músicos mal sucedidos da companhia de ópera Bolshoi que perderam espaço desde os tempos do regime socialista na Rússia e agora, liderados por seu antigo maestro e por um socialista saudosista, vão tocar Tchaikovsky nov Teatro Châtelet de Paris. Nesta aventura, o grupo de músicos mostra que nem só de valores nobres estão embebidos e fazem uma verdadeira catarse social em Paris, mostrando-se desesperados por dinheiro e por oportunidades de trabalho e sem nenhum compromisso com o objetivo final que era a realização do concerto. Enquanto todos se esbaldam, o maestro vive um reencontro com uma garota que ele viu nascer na Rússia socialista e após ter seus pais mortos pelo regime foi enviada clandestinamente para crescer na França onde se tornou uma grande solista, uma estrela da música erudita, o que vem a desestabilizar r totalmente sua segurança para realização do concerto.
A melhor coisa do filme é a palhaçada feita pelos russos em Paris. É mesmo de se morrer de rir. O lado sério da história se sustenta nas ótimas interpretações de Aleksei Guskov como o maestro e de Mélanie Laurent (atriz que eu adoro desde “Bastardos inglórios”)como a solista. Os dois conseguem dar o mínimo de verdade a um enredo que só não é tão batido porque no final ele não se revela pai dela. Era o que faltava mesmo. Vale destacar também o trabalho de François Berléand como o socialista setentão que ainda acredita na existência de um partido forte e integrado em pleno século XXI.O filme tem o mérito de mostrar a decadência da Rússia atual, seus problemas econômicos e a crise de identidade social das pessoas que atravessaram as diferentes fases da história do país mas deixa muito a desejar quando se trata de narrativa.
Ah, um amigo que entende de música erudita disse que as peças executadas no filme são horrorosas. Eu não conheço o suficiente para criticar, portanto não me envolvo nesta questão. Se o que ele afirma for mesmo verdade, o filme é pior do que imaginava.
Da escola americana de cinema dos anos 70, surgiu uma turma de diretores que dominou pelo menos uma trinta anos da história do cinema americano e que eu divido em basicamente dois grupos: os efeito-especialistas que são Spielberg, George Lucas e seus seguidores como Robert Ziemecks, e os roteiro-montadores como Martin Scorcese e Briam de Palma. Copolla também é desta geração mas diferente de todos os outros ele não se enquadra em nenhuma das duas categorias especificamente. Tem diversas obras do estilo espetáculo (habilidade máxima dos efeito-especialistas) como “Dracula de Bram Stoker”, e filmes de conteúdo e montagem, especialidade dos roteiro-montadores, como o clássico “Apocalipse now”, mas não focaliza seus trabalho em nenhuma das suas vertentes. Talvez por isso, por eu preferir diretores bem autorais, com marca definida, eu nunca tenha me envolvido o suficiente com seus filmes. Ele tem obras que eu adoro e seria uma blasfêmia falar mal delas, como a trilogia do Poderoso chefão ou Peggy Sue, mas no geral ele me parece um diretor com bons trabalho pontuais e muitas coisas que param na ideia de serem interessantes. No entanto, esse “Tetro” de alguma forma me soou diferente. Não gostei tanto do filme, mas achei interessante o seu estilo, como se Copolla quisesse começar a falar de algo novo, talvez de si mesmo, e estivesse encontrando o caminho.
Tetro tem um roteiro fraquinho e um final melodramático de novela das seis, mas é plasticamente um espetáculo de verdade, é bem montado e possui cenas e personagens deliciosos de serem vistos. Tem momentos que me lembra Woody Allen, outros que me me lembra Almodovar, mas na verdade é algo diferente de todos estes, até mesmo do próprio Copolla. É um folhetim estilizado, com bons momentos isolados. O elenco é afinadíssimo e a forma de suas interpretações reforça minha tese sobre o tom novelesco que o filme possui: expressões muito marcadas, falas cheias de variações de volume e aquelas pausas dramáticas no meio dos diálogos. Mas não acho nada disso negativo, ao contrário, todos estes elementos se bem sintonizados podem gerar um filme excelente. Não é o caso de Tetro, vejo-o mais como um sinal de algo quepode vir diferente no futuro do que realmente como algo bom de agora.
Atualmente Copolla divide sua vida de cineasta com o hobby de cultivar vinhos na Califórnia, quem sabe eles esteja aprendendo com a bebida a ser melhor com o passar do tempo
Irônico, inteligente, irreverente, cômico, desencantado e reflexivo. São estes os adjetivos que em geral se utiliza para os filmes de Woody Allen. Neste último filme, confirma-se a regra e a marca do autor continua evidente. Tudo junto o tempo inteiro. A ironia e inteligência do roteiro sobre pessoas que vivem em uma ilusão e assim encontram a felicidade e outras que encontram na mais pura realidade, uma vida infeliz. A irreverência e comicidade do texto e das interpretações, atores que parecem estar se esforçando minimamente para fazer um show com as tiradas cults de suas falas. O desencanto e a reflexividade de uma direção sempre blasé e nunca superficial. As cenas se seguem comum ritmo de maestro, sem pressa mas com objetividade, com elegância mas sem excesso de efeitos. Os fatos se encadeiam de forma a gerar na gente aquela sensação estranha de que podemos fazer parte daquilo que está ali na tela e de talvez vivermos num desses filmes de Woody Allen sem darmos por conta disso.
O filme aproveita os desencontros de diferentes casais para falar sobre como encarar a vida de modo sério ou fantasioso é apenas uma questão de perspectiva. A garota de origem burguesa é casada com um escritor sem sucesso e para pagar as contas precisa da ajuda mãe, recém-separada com mais de 70 anos, que acredita em breve encontrar o homem dos seus sonhos por influência de uma vidente charlatã sugerida pela própria filha que, ainda para complementar o orçamento, arranja um emprego e se apaixona pelo chefe casado o qual começa a ter um caso com sua amiga e não com ela. Seu casamento com o escritor vai de mal e ele flerta pela que com uma jovem artista comprometida com alguém que não ama. Nossa protagonista tem ainda um pai metido a garotão que após abandonar a mãe por não aceitar a terceira idade casa com um agarota de programa na expectativa de ter um filho homem em substituição ao que perdeu na juventude e acaba sendo traído e querendo voltar para a ex-esposa. E assim gira a roda de relações frustadas e infelizes amantes que,na visão de Woody Allen, se dão melhor quando se apegam a uma ilusão verdadeira do que a uma verdade mentirosa. A mulher orientada pela falsa vidente encontra o dito homem dos seus sonhos após uma engraçada disputa com uma falecida e sua filha encara a verdade mentirosa de se dedicar ao casamento e ao final ser abandonada pelo marido e ainda rejeitada pelo possível chefe amante.
Amargurada ou feliz a história? Definir isso não é o que importa e sim compreender onde estamos neste ciclo vicioso de verdades e mentiras. Apenas quem não entendeu a moral da história consegue chegar ao final deste filme sem reflexões mínimas sobre as coisas que acredita e a forma que conduz suas relações.
(Nossa, que atraso hein?)
Mas bem,"Tropa de Elite 2" foi “O FILME” nacional de 2010 , causando a mesma comoção social que seu primeiro episódio há 3 anos atrás e que realmente não é algo que se passe em branco. Tropa de Elite 2 tem a mesma estrutura do seu antecessor: uma montagem que desrespeita a cronologia dos fatos para apoiar os truques do roteiro, fotografia com tom documentarista, narrativa in off que aproxima o personagem principal das telas e uma direção de elenco incrível...aliás, tem um elenco incrível que nas mãos da preparadora Fátima Toledo apresenta um desempenho incrível, com destaque para Wagner e seu Capitão Nascimento (óbvio) e Irandir Santos como o representante dos Direitos humanos. Observem como os dois conseguem ser antagônicos, sem ser necessariamente maniqueístas. Eles são duas forças que se opõem , mas também se complementam durante todo o filme. O resto do elenco segue o mesmo nível e não dá nem pra dizer quem está melhor porque todos fazem sua parte muito bem, do veterano na série Milhem Cortaz à novata Tainá Muller
Outra coisa que não pode deixar de ser comentada sobre este filme é o seu lado denúncia. A exposição do jogo de interesses políticos que existe entre governo e polícia é feita de um modo muito inteligente, deixando clara a participação de todos os lados no problema. Embora o governo seja o grande vilão do filme, a polícia continua tendo um dedo apontado para si e figuras como o Capitão Nascimento e Matias (caramba, mataram o cara assim de repente, de uma vez) continuam com seus papéis quixotescos dentro de uma instituição corrompida e desmoralizada.
Não sou fã de filmes em série, ao menos que isto faça sentido ou que o nível se mantenha. Quando anunciaram que haveria a continuação de Tropa de Elite, eu fiquei muito apreensivo, por que muitas vezes o segundo filme é tão ruim que deixamos de gostar do primeiro por pura associação. Mas felizmente não foi isso que aconteceu, o nível não apenas foi mantido como também houve gratas surpresas no roteiro, deslocando a ação para um tempo bem posterior e apresentando outro lado de uma mesma discussão. Se for para manter este padrão, que venha a terceira parte.
Ponto para o cinema nacional.